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Os fins de semana em Diadema

  • Foto do escritor: Daiane Gasparino
    Daiane Gasparino
  • 27 de mar.
  • 4 min de leitura

Passei boa parte dos meus fins de semana, quando criança, na casa dos meus pais, em Diadema. Como assim, "na casa dos meus pais"? Eu e as minhas irmãs morávamos com a minha avó durante as semanas (eles diziam que era por conta das escolas serem melhores em São Caetano, mas depois a gente foi crescendo e, percebi que não era bem esse o motivo... Enfim).


Aí, eu, a Bruna e a Viviane revezávamos aos fins de semana, sempre iam duas e ficava uma com a vó. E quando chegava o meu fim de semana de ir para Diadema, eu queria ir logo na sexta-feira à noite para aproveitar o máximo possível. Queria que meus pais vissem meu corte de cabelo novo, as notas das provas e queria saber também o que estava acontecendo por lá, os lugares que iríamos no sábado, quem viríamos. Era um passeio. Sempre!


Estou ouvindo uma das bandas favoritas do meu pai. E as músicas me lembram exatamente o cheiro, a energia, a brisa e o ritmo dos sábados de manhã, lá em Diadema. Meu pai provavelmente não trabalharia, chegaria algum amigo dele e eles ficariam conversando na garagem. O sol batendo pelo quintal todo. E provavelmente também, sairiámos para comer alguma coisa, visitar algum parente. Eu gostava do meu pai acordando de manhã, ele já tinha assistido tv, tomado seu copo de café na cama e fumado alguns cigarros pela janela. Logo depois, ia pro banho e minha mãe levava a roupa e a toalha dele. Ele nunca pegava a sua roupa ou toalha para o banho. Era o papel da minha mãe. Às vezes, eles ficavam conversando no banheiro enquanto ele tomava banho e eu e meus irmãos já estávamos correndo no quintal, gritando, brigando. Se socando... (eu não socava ninguém, só levava, né... se eu não contasse, não desconfiariam, né? rsrs).


Meu pai passava os fins de semana bebendo. Às vezes, levava a gente junto "pro rolê"e era legal. Às vezes, ele ia sozinho e minha mãe ficava com a gente em casa. Era normal... Ele saía "para comprar cigarros", mas sempre voltava...


Eu lembro do cheiro dele. Do sorriso. Sinto falta do abraço magricelo dele...


Quando ele voltava, geralmente embriagado, ligava o som no último volume e escolhia as músicas que ouvia com cada um dos filhos. Acho que os vizinhos também ouviam... Mas não lembro de ninguém reclamar. A "nossa música"era uma versão da Elba Ramalho cantando "Janela Lateral". Eu gostava, ele contava histórias da juventude maluca dele, e também dos avós, meus bisavôs... Mas, devo contar também que, às vezes, eu ficava cansada e irritada, e fingia que estava dormindo quando ele me chamava... Ele gostava de falar muito... Mas era quando bebia. São, ele era mais na dele. Não gostava de barulho. A gente nem conversava enquanto almoçava. Só depois que ele saía da mesa.


Ele sempre viajava com a gente, levava nos restaurantes que ele gostava, comprava pizza e esfiha. Não gostava de cebola e ovo na comida, nem de comida esquentada no micro-ondas. Fritava mortadela com óregano e colocava no pão. Assistia à filmes e novelas com a gente tudo grudado nele e na minha mãe, na cama deles. Reclamava da luz acesa à toa (puxei ele nessa parte kkk), brigava quando a gente andava descalço. Ah, e não gostava que a gente brincasse na rua. Principalmente eu e as meninas. Era canhoto (eu também puxei ele nisso!). E tinha uma letra tão bonita... Ah, sem falar nas festas de aniversário que ele e a minha mãe sempre faziam pra gente. Nunca tivemos luxo, nem bonecas quando pequenas, compradas pelos meus pais. Mas sempre tivemos comida na mesa, roupa, material escolar e o que eles julgavam "ser de boa para 4 crianças viverem".


Mas tudo isso acontecia quando eu era pequena. Da minha adolescência pra cá, ele ficou doente, não trabalhava mais, não tinha mais aquela penca de amigos e nem a vida que ele viveu um dia. Os filhos tinham que cuidar dele, puxar orelha, resolver pepino que ele podia ter arrumado pela rua. Ele mudou tanto... Não tinha mais aquele brilho, nem a vontade de viver. Apesar de continuar contando suas histórias, ouvindo suas músicas de sempre... Eu e meus irmãos sempre falávamos "as músicas do pai" quando tocavam em algum lugar. Depois que ele faleceu então... todas viraram músicas dele.


Quando me casei, ele me levou até o altar. Mas eu queria tanto que tivesse sido o outro Álvaro. Aquele que era pai, que cuidava de tudo. Queria tanto, mas tanto, que o Vitor tivesse conhecido essa outra versão dele. A versão maluquinha, mas que tinha um pouco de vida e sonhos. A versão que não tinha desistido da nossa família...


Me dei conta agora a pouco de que nunca mais chamei o meu "pai"e isso me doeu tanto... Tanto que corri para escrever e saíram essas palavras, um pouco confusas até, mas cheias de lembranças daquele que tive o privilégio de ter como pai. Aquele que, mesmo em meio a tantas incertezas, confusões, dores e falhas, sempre me amou, me respeitou. E eu tenho certeza de que tanto ele, como a minha mãe, fizeram o melhor que podiam, com o que podiam, como podiam. E eu sempre vou amá-los, respeitá-los e honrá-los. Eles me deram a vida. Isso, pra mim, tem bastado. Além, é claro, das lembranças, das músicas que amo ouvir e lembrar da minha infância, da minha família, em Diadema.




 
 
 

1 comentário


Rita Palladino
Rita Palladino
28 de mar.

É assim mesmo. Nos lembramos das coisas que queríamos pra sempre, e pincelamos as lembranças menos importantes. Seguimos sendo parte deles, mas lutamos para melhorar. Sempre os amaremos

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